quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A PRECE...

A PRECE

Bruno Bertocco



Logo depois que despertou na consciência, o ser humano começou a sentir a necessidade de dirigir-se a um Ente Supremo, que, na verdade, inicialmente eram vários, pois, segundo a mentalidade primitiva, a cada fenômeno da Natureza e a tudo que se lhe afigurava extraordinariamente, era atribuído, como causa, a alguém que o produzia.

Muito cedo, já no alvorecer da vida espiritual, a criatura começou a falar com seus deuses, pedindo-lhes as coisas que desejava, solicitando-lhes proteção e ajuda, agradecendo-lhes as coisas que recebia e reclamando as que não recebia, estabelecendo acordos, etc. E cada qual se exprimia conforme o que lhe ditava a consciência.

Com o tempo, fundaram-se as religiões, e estas foram estabelecendo fórmulas de rezas e padronizando meios de comunicarem-se com os deuses. E muitos foram os modos idealizados para entrar em contacto com eles.

Mas a diante, quando a Humanidade já estava mais evoluída e chegou à compreensão de um Deus único, então as orações eram dirigidas ao Pai-Criador que está no céu, à “mãe de Deus” e também aos “santos” que foram canonizados. Originaram-se as rezas especiais para cada fim, bem como as miraculosas, destinadas a determinadas curas e a certos feitos.

Presentemente, a Humanidade já foi instruída pelos Mestres da Espiritualidade a respeito da oração, e sabe então, que o seu resultado não depende das palavras muitas vezes repetidas e ditadas em voz alta. As palavras são apenas fonemas emitidos como meio de comunicação entre os seres encarnados, que possuem como dispositivo receptor o sentido da audição. Mas o que traduz o sentido das coisas é sempre o pensamento. Quando dizemos alguma coisa, podemos dizê-la em quaisquer das línguas do Universo, que será sempre a mesma coisa, isto é, os diferentes fonemas articulados que dão forma à expressão não alteram a natureza da vibração que é emitida pelo espírito como pensamento que traduz o sentimento essencial.

Portanto, as orações que são dirigidas a Deus, ao Mestre Jesus, aos bons Espíritos, têm o seu efeito, quando vibradas com firmeza de pensamento e sinceramente sentidas, que então, em relação à elevação do espírito, á intensidade da emissão do potencial psíquico, á natureza intima da intenção e à pureza sentimental, será alcançado, quando é possível, o atendimento do que foi suplicado.

Sabemos então que não é pelo muito pedir, repetindo seguidamente o que se necessita, como que, querendo “convencer a Deus” nem pelo falar alto ou gritar, como que querendo forçar que “Deus nos ouça”, que seremos atendidos em nossas súplicas. Mas através do pedido sincero, feito com resignada devoção, sem a pretensiosa confiança de quem é merecedor de ser atendido, com a humildade e abnegação de quem sabe que não há efeito sem causa e que ninguém passa pelo sofrimento em vão, porque na vida nada acontece por casualidade, pois tudo tem a sua razão de ser.

Disse o Mestre dos mestres: “Pedi e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á”. “E qual dentre vós é o homem que, pedindo pão o filho, lhe dará pedra?”; E, se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos seus filhos, quando mais o vosso Pai, que está nos céus, dará bens ao que lhos pedirem?

Mas acontece, como sabemos, que nem sempre somos atendidos no que pedimos, e assim, os que ainda não estão esclarecidos julgam que é um castigo de Deus o sofrimento por que passam as criaturas, apesar de rogarem constantemente ao criador para que as curem.

Porém, nem sempre pedimos o que é possível. A esse respeito esclareceu Jesus, quando disse; “não sabeis o que pedis”. Deus sabe o que é melhor para nós. Portanto, aquilo que é considerado como injusto castigo, que na verdade é sempre uma conseqüência provocada pelo próprio espírito, que muito o aborrece, o desagrada, e o induz a reclamar, pedindo a Deus que o liberte de tal sofrimento, é uma desejada prova, cuja experiência resultante, redunda em seu benefício e concorre para o seu bem.

Solicitado por um dos seus discípulos para que os ensinasse a orar, o Mestre, advertindo para que não fizessem como os “hipócritas que se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens”. Recomendou o seu clássico e imorredouro “Pai Nosso”, que é singelo, mas traduz muita sabedoria e um profundo sentido.

Com referência à prece, alguns entendem que é desnecessária, porque, dizem eles, ela não pode modificar a natureza das coisas, porquanto não pode ser evitado o que a criatura deverá passar como prova ou regate. Baseados no nosso entendimento, então poderíamos ir mais longe e pensarmos que pedir as coisas a Deus é contraproducente porque é Ele Onisciente. Ora se é Onisciente, tudo sabe, e se é infinitamente Justo e Bom, por que pedir o de que precisamos?

Por esse raciocínio chegaríamos ao ponto de nos encontrarmos diante de um dilema, pois teríamos que admitir assim pensando, que Deus não se preocupa com os que não se voltam a Ele, ou que não é Onisciente, e nesse caso, precisa ser advertido para que tome conhecimento do que se passa com as suas criaturas.

Porém, a verdade é que sempre que tentamos resolver os problemas transcendentais, condicionando-os aos limitados recursos do nosso entendimento, sem antes averiguar se realmente o que objetivamos está ao alcance da concepção humana, fazemos interpretações inadequadas e errôneas, o que nos faz pensar coisas completamente coisas completamente destituídas de fundamento.

Razão pela qual, quando pretendemos chegar à compreensão do que nada, analisar se o que estamos pensando a respeito de tal assunto está baseado em elementos já reconhecidos e comprovados, ou se estamos tentando, pelos meios do raciocínio, explicar o que ainda transcende ao atual entendimento.

A questão da prece (se devemos ou não pedir as coisas a Deus) interpretada, sem um prévio exame da origem das idéias em que se apóia o raciocínio, leva a falsas deduções.

Se antes, porém, de formularmos qualquer espécie de pensamentos a respeito do fato da prece, procurarmos reconhecer que nos encontramos ainda muito distantes do seu fundamento, compreenderemos, então, que o real sentido que sua verdadeira razão encerra não é aquele que, presentemente pensamos.

Precisamos compreender que quando nos referimos ao Criador, dizendo que nos “vê”, nos “ouve” e nos “entende”, estamos servindo-nos de expressões que se radicam nas ideologias do passado. Pensamentos ideológicos, através dos quais Deus é concebido antropomorficamente, o que induz a interpretação humana a julgar que Deus “sente”, “pensa”, “quer”, etc.

E, quando a ser Deus Onipresente, Onipotente e Onisciente, o que, sob o ponto de vista humano, fundamenta a razão de pensarmos que não se deve pedir-Lhe nada, pois sabe Ele melhor que nós as nossas reais necessidade, também precisamos reconhecer que é uma interpretação que é lógica para o nosso relativo e limitado alcance conceptual.

A esse respeito já observou Jesus, quando recomendou para orarmos em oculto, e não usarmos palavras vãs como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos; e acrescentou; “porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes”.

É evidente que os predicados que o ser humano atribui a Deus representam a tradução do máximo que lhe é possível conceder atualmente a Seu respeito. Mas, Deus-Criador é inconcebível, logo, é impossível ao ser humano, no seu presente estado evolutivo, interpretar, descrever, conceber, a Sua forma de Expressão.

Através da mais aprofundada concepção alcançada pelo entendimento contemporâneo, já chegamos à compreensão de que Deus é impessoal, portanto, Absoluto, e Está em toda parte. E, na mais alta forma humana de conceber, pensamos que é Ele a Alma do Todo, o Deus-Criador, a Causa da Vida, etc., mas , também já certos de que não nos é possível afirmar nada positivamente a respeito da Sua Real Natureza e Força de Ação nos Universos do Cosmo.

Nós, os habitantes do planeta Terra, estamos ainda infinitamente distantes da Verdade Fundamental da Existência, entretanto já temos comprovada certeza de que a Vida Universal é regida por Sábias Leis, e de que tudo na vida se movimenta numa perfeita e impecável harmonia de princípios invariáveis e constantes, o que nos faz ver Deus em toda parte e senti-Lo dentro de nós.

E na nossa vida, como no perfeito sistema do Organismo da Existência, também tudo se cumpre com infalível precisão, sem a mínima possibilidade de falha ou derrogação, e, de modo geral, indefectivelmente com inalterada determinação, o que torna evidente, não ser admissível que a vontade de alguém possa interferir de algum modo a fazer com que seja suprimido um efeito-conseqüência de uma causa-motivo.

Já sabemos hoje que o verdadeiro caráter da prece dirigida a Deus não é “forçar a Sua misericórdia”, “implorar a Sua caridade”, “despertar a Sua compaixão”, menos para que “Veja” isto ou aquilo, ou que “Tome conhecimento” desta ou daquela situação, mas pôr a criatura em contacto com a Fonte do Poder e do Amor. Mas, como a criatura humana ainda se encontra no nível evolutivo que não lhe permitiu superar as formas arcaicas de conceber as coisas espirituais, então nas suas necessidades, volta-se ao Criador, com expressões humanas do entendimento comum , tais como: “tende misericórdia de mim”, “olhai para os que sofrem”, “tende piedade deste inocente”, “tende compaixão deste pecador”, etc.

Embora a maioria dos seres humanos o faça inconscientemente, nas suas preces, colocam suas mentes, relativamente, em sintonia com os Planos Superiores e com as Forças do Bem, e, à medida do possível, são atendidos no que pedem; para serem ajudados, esclarecidos, aliviados, melhorados e curados.

Na prece, portanto, a criatura entra em comunicação com o Alto, estado de Alma que torna propício o recebimento de vibrações benéficas, emitidas em seu favor.

As súplicas de uma fervorosa prece não alteram o que por natureza tem que se cumprir, mas podem fazer com que seja suavizada a prova de uma criatura, bem como prevenir que aconteça o que não lhe está imperiosamente destinado.

Sem derrogar as Leis, sem alterar o ritmo do curso natural das coisas, uma prece vibrada com todas as forças do coração, pode amenizar o sofrimento de uma dura prova, quando se trata de casos em que a dor é reclamada como remédio para o espírito, e resolver situações difíceis, afastar espíritos sofredores, e até mesmo operar curas, quando se trata de casos em que o que atinge a criatura é uma conseqüência momentânea motivada pelas circunstâncias do meio, que, aliás, sempre tem a finalidade edificante de conduzi-la ao bom caminho, de adverti-la sobre algum erro cometido, de fazê-la compreender algo proveitoso para o seu adiantamento espiritual, de fazê-la passar por uma experiência necessária à sua evolução, etc.

Portanto, está enquadrado no rigoroso funcionamento das Leis da vida o surpreendente e, aparentemente, milagroso resultado de um pedido sincero e confiante, feito através de uma elevada prece ao Criador.

A prece, pois, em dados momentos, quando as negras nuvens de pensamentos negativos obscurecem o horizonte de nossa vida, é a chave de contacto que faz chegar até nós as luzes de que necessitamos, das Esferas Espirituais; quando debilitados, pelos excessos da materialidade, é o conduto, através do qual, do Alto, chegam até nós as requeridas forças restauradoras; quando caídos na estrada da dor, clamando para que nos ajudem, é o ecoante gemido que atrai o “bom samaritano”, que nos acode e nos trata com dedicação cristã; quando mos acoitados pelas tormentas dos duros golpes da adversidade, é o que nos achega à mão amiga que nos protege e nos conduz ao posto de salvamentos; quando acometidos por graves enfermidades, é a sineta que soa no espaço, chamando o socorro da assistência espiritual, que bondosa e abnegadamente nos atende com seus superiores recursos extraterrenos; quando desnorteados no labirinto dos reveses que sobrevêm nos círculos da existência, é a forma de ouvir a voz do céu, que nos dita como reencontrar o caminho; quando desgovernados no agitado mar das aflições e da incerteza, é o cabo invisível que nos une à firme âncora do além que nos garante a segurança, evitando que soçobremos; quando tristes e amargurados nas jornadas da expiação, é o extraordinário toque que vai às alturas, chamando o Consolador que, com seus fluídos balsâmicos e suas irradiações de amor, nos vem fortalecer e encorajar; quando em pleno deserto das provas terrenas, é a abençoada trilha que nos leva ao acolhedor oásis que contém a fresca e reconfortante água do espírito, que suaviza a alucinante sede do sofrimento; enfim, a prece é aqui na Terra, como em todos os planos de vida da Colméia Cósmica, o maravilhoso meio que faculta a criatura a entrar em comunicação com o Mundo Espiritual, e, em relação ao estado de consciência, com o Manancial da Existência.



Nome do Artigo – Autor: Bruno Bertocco – Fonte: Anuário Espírita – 1967

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