Já que o nosso titulo fala de alegorias vamos seguindo no mesmo ritmo....
Lembro de uma rua num distante subúrbio há muito tempo num bairro bem afastado . Lembro que nessa rua tinham muitas vilas e casas e que ali passavam todos os dias o verdureiro , o amolador de facas e leiteiro. E que tinha um açougue que cortava e limpava o que o freguês queria levar e um sapateiro que ainda trocava salto de sapatos e uma pequena porta aonde trabalhava um alfaiate . É . Um alfaiate daqueles que talhava o tecido de acordo com o freguês e transformava sonho em felicidade . É certo que houve um tempo em que ele trabalhava muito e vinha gente de todo canto só para encomendar um terno para uma ocasião pra lá de especial que ele prontamente executava com a qualidade que só os Mestres possuíam. Sempre lembro da primeira vez que fui com o meu avô naquela casa para que ele pudesse fazer um terno de festa com esse alfaiate . E ali naquela ocasião , lembro até hoje ,
pude conhecer um menino que , ao seu lado , aprendia as primeiras lições do oficio do pai . E o pai , o alfaiate amigo do meu avô, passava sem nenhuma formalidade , os passsos e os caminhos do seu ofício e da sua arte ao seu filho . Mas o que mais me prendia a atenção é que ao mesmo tempo que trabalhava ele tinha o hábito da prosa . É . Era uma prosa que envolvia a todos que estavam por perto . E com o meu avô , eles levavam muito tempo falando da vida , das oportunidades e das dificuldades tão comuns nas conversas daquela época. Tudo isso sem faltar do gostoso cafezinho que lá pelas tantas a sua esposa trazia com muito gosto ....
Já passou muito tempo desde essa época e às vezes sempre me pego lembrando dessas situações sempre que passo por alguma dificuldade e dos muitos ensinamentos. Além da grande amizade dos dois era muito bom perceber a confiança e cumplicidade que eles mantinham durante o processo da feitura do terno . Mais ainda , lembro mesmo criança, do respeito que eles mantinham e do tom de consideração que havia nas ponderações de cada um . De verdade , nunca vi e nem me lembro de nenhuma ocasião de ter havido nenhuma rusga entre eles . Mais ainda , havia época em que o meu avô , mesmo sem condição levava o corte e dizia não ter como pagar de pronto e mesmo assim saía com o melhor terno já feito porque havia ali a linha da honestidade , o corte da tolerância e principalmente o acabamento do bom viver entre eles ...
Há muito o meu avô e o seu amigo alfaiate já não estão entre nós e desde que me fiz adulto , mudei , sai e nunca mais voltei aquela rua e só consigo lembrá -la perdida na minha memória mas a guardo com muito carinho porque é lá que ficaram essa e outras tantas lembranças que me fizeram ser o que sou hoje ...
Essa era a rua que nós morávamos e lá estão guardadas o grito do verdureiro e do amolador de facas , o cheiro do pão fresquinho de manhã , as nossas brincadeiras depois da escola , a hora que a minha avó e as minhas tias sentavam com as cadeiras nas calçadas e muito mais....
E hoje ela está guardada , bem guardada.....
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