sexta-feira, 9 de outubro de 2009

UM POUCO DE HISTÓRIA

Primórdios do Movimento Espírita no Brasil

Juvanir Borges de Souza

Palestra proferida na Conferência Espírita Brasil-Portugal,
realizada em Salvador (BA), de 16 a 19 de março de 2000.


A história do Espiritismo no Brasil é muito rica de fatos, de personagens e de realizações. Um vasto documentário esparso está à espera de quem o reúna e aprecie, com sensibilidade e conhecimento.

Ao contrário do que ocorreu nos países da Europa, nos quais os movimentos oriundos da Nova Revelação cresceram rapidamente, nas primeiras décadas que se seguiram aos trabalhos da Codificação, para depois estacionarem ou fenecerem, o Movimento Espírita no Brasil cresceu continuamente, apesar das muitas vicissitudes que teve de enfrentar.

II

É interessante observar que, antes do advento do Espiritismo, com a primeira edição de “O Livro dos Espíritos”, em Paris, em 1857, já existiam idéias irradiadas a partir de 1847-1848, nos Estados Unidos, com os fenômenos de Hydesville.

III

Os primeiros experimentadores da mediunidade, no Brasil, saíram dos cultores da homeopatia, com os médicos Bento Mure, francês, aqui chegados em 1840, que aplicavam passes em seus clientes e falavam em Deus, Cristo e Caridade, quando curavam.

José Bonifácio, o patriarca da Independência, cultor da homeopatia, é também dos primeiros experimentadores do fenômeno espírita.

Em 1844, o Marquês de Marica publicou um livro com os primeiros ensinamentos de fundo espírita divulgados no Brasil (Reformador de 1944, p. 207).

IV

Entretanto, o grupo mais antigo que se constituíra no Rio de Janeiro, para cultivar o fenômeno espírita, foi o de Melo Morais, homeopata e historiados, por volta de 1853, conforme registrado em Reformador de 1o. de Maio de 1883.

Freqüentavam esse grupo o Marquês de Olinda, o Visconde de Uberaba e outros vultos do Império.

Os fenômenos das mesas girantes são noticiados pela primeira vez no Brasil em 1853, pelo jornal O Cearense.

V

Assim, quando “O Livro dos Espíritos”, em sua edição original francesa, chegou ao Brasil, encontrou meio favorável ao seu entendimento e divulgação, especialmente na elite social da Capital do Império.

VI

Em 1860 surgiram os dois primeiros livros espíritas em português: “Os tempos são chegados” do professor Casimir Lieutaud, francês radicado no Rio de Janeiro, e “O Espiritismo na sua expressão mais simples”, tradução do professor Alexandre Canu, cujo nome só aparece na terceira edição, em 1862.

VII

Em 1863 o Espiritismo já era comentado com seriedade.

O Jornal do Commercio, o maior órgão da imprensa da Capital do Império de então, publicava em 23 de setembro, artigo favorável à nova Doutrina.

No ano de 1865, surge a primeira contestação de espíritas a comentários desfavoráveis ao Espiritismo, O Diário da Bahia, de Salvador, transcrevera artigo extraído da Gazette Médicale. Esse artigo, desfavorável e mordaz, assinado pelo Dr. Déchambre, foi contestado pelos Drs. Luís Olímpio Teles de Menezes, José Álvares do Amaral e Joaquim Carneiro de Campos, em réplica publicada em 28 de setembro de 1865, artigo que mereceu comentários favoráveis de Allan Kardec na Revue Spirite (vol. 8, pág. 334).

VIII

Os primeiros centros espíritas nos moldes preconizados por Kardec surgem na Bahia (Grupo Familiar do Espiritismo), no Rio de Janeiro e em outros Estados, a partir de 1865.

IX

Em 1869 é editado em Salvador O Eco d’Além-Túmulo, “Monitor do Espiritismo no Brasil”, sob a direção de L. O. Teles de Menezes, que teve efêmera duração.

X

Em novembro de 1873 funda-se em Salvador, Bahia, a Associação Espírita Brasileira, continuação do Grupo Familiar de Espiritismo.

Alguns membros dessa Associação fundaram, em 1874, em Salvador, o Grupo Santa Teresa de Jesus.

XI

A 2 de agosto de 1873 é fundada a Sociedade Grupo Confúcio, primeira entidade jurídica do Espiritismo no Brasil, com estatutos impressos, amplamente noticiada na imprensa nacional e estrangeira.

Nomes como os dos Drs. Siqueira Dias, Silva Neto, Joaquim Carlos Travassos, Casimir Lieutaud, Bittencourt Sampaio fizeram parte dessa sociedade, cuja divisa era “Sem caridade não há salvação”.

A esse Grupo, de curta existência de menos três anos, deve o Espiritismo no Brasil: a primeira tradução das obras de Kardec, por Joaquim Carlos Travassos (Fortúnio); a primeira assistência gratuita homeopática; a primeira revelação do Espírito Guia do Brasil – o Anjo Ismael.

XII

Vale a pena rememorar, para a edificação das novas gerações, as previsões de Ismael, em rara e eloqüente mensagem de transcendente significação no Grupo Confúcio, eis que ela resume a orientação espiritual no que diz respeito à missão do Brasil:

“O Brasil tem a missão de cristianizar. É a Terra da Promissão. A Terra de todos. A Terra da fraternidade. A Terra de Jesus. A Terra do Evangelho...

Na Era Nova e próxima, abrigará um povo diferente pelos costumes cristãos. Cumpre ao que ouve os arautos do Espaço, que convocam os homens de boa-vontade para o preparo da Nova Era, reconhecer em Jesus o chefe espiritual. Com o Evangelho explicado à luz do Espiritismo, a moral de Jesus, semeada pelos jesuítas e alimentada pelos católicos, atingirá a sua finalidade, que é rejuvenescer os homens velhos, que aqui nascerão ou para aqui virão de todos os pontos do Globo, cansados de lutas fatricidas e sedentos de confraternidade. A missão dos espíritas no Brasil é divulgar o Evangelho em espírito e verdade. Os que quiserem cumprir o dever, a que se obrigaram antes de nascer, deverão, pois, reunir-se debaixo deste pálio trinitário: Deus, Cristo e Caridade.

Onde estiver esta bandeira, aí estarei eu, Ismael.”

XIII

Ao Grupo Confúcio seguiu-se a Sociedade Espírita “Deus, Cristo e Caridade”, fundada em março de 1876, com programação francamente evangélica cumprida até 1879.

Mas, cindida a Sociedade, passou a denominar-se Sociedade Acadêmica, em processo de seleção natural e de acordo com as inclinações dos elementos humanos. Uma ala da entidade, tendo à frente Bittencourt Sampaio, Antônio Luiz Sayão e Frederico Junior, destacou-se para fundar a “Sociedade Espírita Fraternidade”, em 1880.

A “Fraternidade” subsistiu com a orientação evangélica até transformar-se em “Sociedade Psicológica”, desaparecendo em 1893.

Observe-se a definição de rumos, com a preocupação de alguns adeptos desavisados, suprimindo o qualificativo “Espírita” e substituindo-o por “Acadêmica” e “Psicológica” nas duas Sociedades.

Em 6 de agosto de 1880 era criada, em Campos, Estado do Rio de Janeiro, a Sociedade Campista de Estudos Espíritas.

XXIV

É criado em janeiro de 1881, na cidade de Areias, São Paulo, o Grupo Espírita Areense, que lançou, no mesmo ano, o jornal União e Crença.

É no ano de 1881 que o Espiritismo é perseguido pela polícia, pela primeira vez, sendo proibidas as sessões da “Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, a Sociedade de maior prestígio à época.

XV

Em 6 de setembro de 1881, instalou-se, no Rio de Janeiro, o primeiro Congresso Espírita do Brasil, do qual resultou o Centro da União Espírita do Brasil, dentro da Sociedade Acadêmica.

XVI

Ainda em 1881, a 21 de novembro, instalou-se no Rio de Janeiro a “Associação Amor e Caridade”; em março de 1882, a “Sociedade Espírita Allan Kardec” e em setembro de 1882 o “Grupo Espírita Santo Antonio de Pádua”.

XVII

Augusto Elias da Silva, fotógrafo português radicado no Rio de Janeiro, observando as difíceis condições para se fazer a defesa do Espiritismo pela imprensa, contra os ataques impiedosos e insultuosos do Catolicismo, a religião oficial do Estado, funda, em 21 de janeiro de 1883, o jornal Reformador.

Esse órgão, que recebeu o apoio de espíritas militantes de grande prestígio na época, como Bezerra de Menezes e o Major Francisco Raimundo Ewerton Quadros, procedeu à análise serena e segura de uma Pastoral católica que pregava o ódio aos espíritas.

Por essa época já existia várias Sociedades Espíritas na Capital do Império e em algumas províncias.

XVIII

Em 2 de janeiro de 1884 é fundada a Federação Espírita Brasileira. A iniciativa coube a Augusto Elias da Silva, que recebeu o apoio de Ewerton Quadros, Xavier Pinheiro, Fernandes Figueira, Silveira Pinto e outros.

Instalada a novel Sociedade, com a eleição da primeira diretoria, uma das primeiras resoluções foi a incorporação do órgão Reformador à nova Sociedade.

É interessante frisar que, apesar de sua denominação – Federação – não contava a instituição com nenhuma filiação de qualquer outra entidade, inicialmente.

Torna-se, pois, evidente, que os objetivos da Sociedade, no campo federativo, projetava-se no futuro, sendo seus fundadores os instrumentos de uma planificação maior da Espiritualidade.

XIX

Ainda em 1883, surge em Campos (no atual Estado do Rio de Janeiro), em fevereiro, a “Sociedade Espírita Concórdia” e em outubro do mesmo ano, em Macaé, a “Sociedade Espírita Luz Macaense”.

O “Grupo Ismael” (Grupo de Estudos Evangélicos do Anjo Ismael), célula de ligação entre os trabalhadores dos dois planos da vida, funciona desde 15 de julho de 1880, fundado por Antônio Luiz Sayão e Bittencourt Sampaio. Dele fizeram parte Bezerra de Menezes, Frederico Junior, Domingos Filgueiras, Pedro Richard, Albano do Couto e muitos outros companheiros provindos de diversos núcleos.

Acedendo Bezerra de Menezes em aceitar a presidência da Federação em 1895, o “Grupo Ismael” acompanhou o apóstolo do Espiritismo no Brasil, apoiou-o na direção da Casa e integrou-se nela, até os dias atuais.

XX

Alguns grupos espíritas da Capital aderiram à Federação, a partir de 1885, como o “Grupo Espírita Menezes” (Reformador de 15-2-1885) e elementos prestigiosos na sociedade fluminense: o Dr. Francisco de Menezes Dias da Cruz, homeopata, o Dr. Castro Lopes, filólogo e escritor, e vários outros.

XXI

Mas o fato de maior significação nos arraiais espiritistas foi, sem dúvida, a adesão ao Espiritismo do eminente político, médico e católico, Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, perante um auditório de 2.000 pessoas, no salão de honra da Guarda Velha, no dia 16 de agosto de 1886.

A impressa registrou o acontecimento, o telégrafo levou a notícia às Províncias, a Federação recebeu muitas adesões e os círculos católicos agitaram-se.

De novembro de 1886 a dezembro de 1893, Bezerra escreveu ininterruptamente, aos domingos, sob o pseudônimo de Max, os célebres artigos sobre o Espiritismo, no jornal O Paiz, o mais lido no Brasil, na época.

Ao mesmo tempo que escrevia, Bezerra pregava a união dos espíritas e concitava os confrades à harmonia e à fraternidade.

É, por isso, considerado o campeão da unificação do Movimento Espírita, com base na união e na tolerância entre os espíritas.

XXII

Em meados de fevereiro de 1889, previamente anunciado pela Espiritualidade, o Espírito Allan Kardec viria “fazer uma análise da marcha da doutrina no Rio de Janeiro, dirigindo-se a todos os espíritas”.

Através do notável médium Frederico Junior, da Sociedade Fraternidade, Kardec ofereceu as conhecidas “Instruções” para o Movimento Espírita de então.

XXIII

Bezerra de Menezes vê na Federação, nos anos de 1888-89, então sob sua presidência, a organização ideal onde se poderia unificar o Movimento Espírita. Por isso nela instalou, em 1889, o Centro da União Espírita do Brasil, com a aprovação dos grupos espíritas então existentes no Rio de Janeiro.

Mas a união dos espíritas não foi conseguida, apesar dos esforços de Bezerra e do apelo do Espírito Allan Kardec.

Prevalecia a divergência entre “místicos” e “científicos”.

XXIV

Em São Paulo, Batuíra fundara, em 1890, o maior núcleo espírita do País, com sede própria, e um órgão de divulgação, o Verdade e Luz, de grande tiragem. Deu seu apoio à Federação e tornou-se o representante dela em São Paulo.

XXV

Em maio de 1887, foi fundada em Porto Alegre (Rio Grande do Sul) a Sociedade Espírita Rio Grandense.

XXVI

Em fevereiro de 1890 surge em Maceió, Alagoas, o Centro Espírita das Alagoas.

XXVII

Em 1890, o Dr. Polidoro Olavo de São Thiago trouxe à Federação Espírita Brasileira uma iniciativa feliz: a criação da Assistência aos Necessitados, em moldes espíritas.

E o Dr. Pinheiro Guedes, em 1890, incorporou à pequena biblioteca da FEB um acervo importantíssimo de livros sobre todos os ramos do conhecimento.

XXVIII

Proclamada a República em 1889, em 1890 surge o novo Código Penal, no qual o Espiritismo era enquadrado como transgressão à lei, em alguns de seus dispositivos dúbios.

O fato serviu para que os espíritas de todas as tendências se unissem contra tais dispositivos, do que resultou a explicação do autor do Código, Dr. Antônio Batista Pereira, de que tais disposições não atingiam o Espiritismo filosófico, religioso, moral, educativo, mas o espiritismo criminoso, expressão infeliz então usada.

XXIX

Em compensação, o grande acontecimento que favoreceu o Espiritismo, como também a todas as religiões praticadas no Brasil, foi a Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, que constituiu o Estado leigo, sem os liames que o ligavam à Igreja Católica Romana.

XXX

Já por essa época fundavam-se, por todos os Estados brasileiros, núcleos espíritas.

Em 1892 era fundada em Natal, Rio Grande do Norte, a Sociedade Natalense de Estudos Espíritas.

Em maio de 1893 surgiu, na Bahia Amor e Caridade.

Nesse mesmo ano funda-se em Cuiabá, Estado de Mato Grosso, a Sociedade Espírita Cristo e Caridade, com seu órgão A Verdade.

Em 1894 é criado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o Grupo Espírita Allan Kardec.

Em outubro de 1894 instala-se em Lavras, Estado de Minas Gerais, o Centro Espírita Luz e Caridade.

Em julho de 1897 instalou-se e, Cáceres, Mato Grosso, o Grupo Espírita Apóstolos de Cristo e da Verdade.

Nesse mesmo ano de 1897 é organizada a Livraria da FEB, por abnegados espíritas.

XXXI

Bezerra de Menezes, aceitando a presidência da Federação Espírita Brasileira, é empossado em 3 de agosto de 1895.

Começa uma nova fase para a Instituição, cuja influência se estende por todo o território nacional.

Em 1897 são transferidos à Federação os direitos autorais, para a língua portuguesa, de todas as obras de Allan Kardec, fato de suma importância para a difusão da Doutrina Espírita no Brasil.

XXXII

Os inimigos e dissidentes internos do Movimento Espírita no Brasil sempre se firmaram no divisionismo, no personalismo, no despreparo e nas interpretações pessoais de determinados adeptos e nas vaidades individuais, em contraposição aos princípios doutrinários.

Desde os primórdios do Espiritismo esses fatores estiveram presentes no seio de seus movimentos, por toda parte. No Brasil não seria diferente.

Já os inimigos externos são conhecidos por suas atuações, desde meados do século XIX, no Brasil: a) o positivismo, de grande influência nos primórdios da República; b) o materialismo, opositor permanente; c) a classe clerical obscurantista.

XXXIII

Enquanto a Europa recebeu o Espiritismo nas suas expressões fenomênicas e experimentais, não excluindo a remuneração pelos trabalhos mediúnicos, o que desvirtua o caráter e a índole da Doutrina Espírita, no Brasil cultiva-se o Espiritismo em seus múltiplos aspectos, mas com ênfase nos seus aspectos morais-religiosos, com base no Evangelho de Jesus.

A expressão “Pátria do Evangelho”, usada pelo Espírito Humberto de Campos em seu livro, é a reafirmação desse fato.

Para combater a tendência desagregadora do Movimento, de parte de alguns adeptos, o grande remédio é a transformação interior do espírita, através da educação do pensamento pela Mensagem do Evangelho do Cristo.

A grande tarefa a ser realizada pelo Movimento, antes da reforma das instituições, é a regeneração moral do espírita, para que suas instituições reflitam seu progresso individual e coletivo.

XXXIV

Desaparecendo Bezerra de Menezes do cenário dos encarnados, em 11 de abril de 1900, após quatro anos e meio de intenso trabalho de persuasão, de paciência e de exemplificação, deixava consolidada a Federação Espírita Brasileira, com a orientação doutrinária que as administrações posteriores seguiriam.

Ficaram superadas as divergências internas, o academicismo, para cuidar-se do estudo sério da Doutrina e do Evangelho, com o fortalecimento dos sentimentos de solidariedade e de fraternidade.

Findara o século, desencarnara o ínclito timoneiro, mas as bases da grande obra da união entre os espíritas ficaram delineadas.

É certo que um dos objetivos de Bezerra e de seus seguidores – a unificação de todas as entidades espírita em torno de uma instituição representativa dos ideais de fraternidade entre os espíritas – não pudera concretizar-se.

A união pela harmonia e coesão preconizada por Allan Kardec nas célebres mensagens de 1889 só seria conseguida quase meio século depois, em 1949.

XXXV

O sucessor de Bezerra de Menezes na presidência da FEB, um jovem de 30 anos, Leopoldo Cirne, seguiu o roteiro de seu antecessor, reajustando pormenores impostos pelas circunstâncias.

Em 1901, procedeu-se à revisão dos Estatutos, com inovações de alto interesse para o Movimento Espírita, destacando-se a filiação das instituições espíritas de todo o Brasil aos quadros da Federação Espírita Brasileira, com vistas à unificação, sob a forma federativa, plenamente aprovada na prática.

Multiplicaram-se desde então os atos de adesão, sem prejuízo da autonomia administrativa e patrimonial das entidades adesas – Centros, Grupos, Uniões, Federações – de todo o vasto território do País continental.

XXXVI

A 3 de outubro de 1904, a FEB organizou um intenso programa de três dias, comemorativo do centenário de nascimento de Allan Kardec.

O convite dirigido a todas as entidades espíritas do País foi bem recebido.

Reuniram-se na então Capital da República os representantes de Centros e Sociedades Espíritas do Amazonas, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além das Casas Espíritas da Capital Federal.

O ponto mais importante desse Congresso foi o congraçamento geral e a aprovação das “Bases de Organização Espírita”, documento que passou a orientar a marcha do Movimento Espírita de nosso País, até nossos dias.

O desenvolvimento do Movimento, sua expansão com a criação de inúmeras Instituições Espíritas, tornou-se notório, desde então.

As “Bases” preconizaram a criação de uma Instituição na Capital de cada Estado brasileiro, a qual ficaria incumbida de filiar os Centros e Associações estaduais, formando assim, com a FEB, uma rede de entidades fortalecidas na solidariedade e na fraternidade, sob a inspiração e a égide da Doutrina Espírita.

As obras de Allan Kardec, em edições especiais e populares, foram publicadas pela FEB nesse mesmo ano de 1904.

XXXVII

No período de 1905 a 1930, continuou expandindo-se o Movimento Espírita, por todo o Brasil, com a criação de Grupos, Centros e Federações nos Estados, além de periódicos espíritas, para a divulgação da Doutrina.

Queremos destacar, nesse período, dois fatos importantes, dentre os inúmeros acontecimentos ocorridos:

O primeiro foi a mensagem, de alta significação, recebida em 9 de março de 1920, do Espírito de Verdade, que se manifestou através do Anjo Ismael, pelo médium Albino Teixeira, então secretário da FEB.

Nela está prevista a missão do Brasil, antecedendo as páginas proféticas do Espírito Humberto de Campos em “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, como se pode observar no pequeno trecho abaixo transcrito:

“A Árvore do Evangelho, plantada há dois mil anos na Palestina, eu a transplantei para o rincão de Santa Cruz, onde o meu olhar se fixa, nutrindo o meu espírito a esperança de que breve ela florescerá estendendo a sua fronde por toda a parte e dando frutos sazonados de amor perdão.”

(Grifos nossos.)

O segundo fato foi a convocação de uma “Constituinte do Espiritismo” para se reunir no Rio de Janeiro, idéia escrúxula pelo seu próprio conteúdo, que não vingou. Mas do encontro resultou a criação da Liga Espírita do Brasil, que se propôs a filiar Centros Espíritas em âmbito nacional, em trabalho semelhante e concorrente ao da FEB, dividindo o Movimento.

A Liga Espírita do Brasil subsistiu por mais de duas décadas, transformando-se em entidade estadual com o “Pacto Áureo”, em 1949.

XXXVIII

Era chegado o tempo de ampliar a divulgação da Doutrina Espírita pelo livro e pela imprensa.

Impunham-se novas traduções das obras da Codificação e de clássicos do Espiritismo.

A essa tarefa gigantesca dedicaram-se espíritas de escol, dentre os quais destacamos a figura de Guillon Ribeiro, o grande presidente da FEB no período de 1930 a 1943.

Suas traduções primorosas das obras de Allan Kardec continuam sendo as melhores na língua vernácula.

Inúmeras outras obras clássicas da Doutrina foram traduzidas para o português.

Ao mesmo tempo, a FEB cogitava da montagem de uma oficina gráfica própria para a edição das obras espíritas, o que conseguiria, por etapas, a partir de 1939.

XXXIX

A partir de 1930 o Movimento Espírita Brasileiro, que desde os fins do século XIX contou com médiuns notáveis, como Frederico Júnior, João Gonçalves do Nascimento, Bittencourt Sampaio, Zilda Gama, Albino Teixeira, e muitos outros, vê surgir o mais notável medianeiro do século XX: Francisco Cândido Xavier.

Sua primeira obra psicografada, lançada pela FEB em 1932 – “Parnaso de Além-Túmulo” – causou verdadeiro impacto nos meios culturais brasileiros. Essa obra de poetas brasileiros. Essa obra de poetas brasileiros e portugueses desencarnados, sui generis, confundiu os céticos e agraciou os adeptos e simpatizantes do Espiritismo.

O moço humilde de Pedro Leopoldo começava sua missão de médium espírita e de homem, que se prolongaria até nossos dias, contribuindo de forma extraordinária para que a Doutrina Espírita e o Evangelho de Jesus fossem divulgados de forma correta, persistente, admirável.

Emmanuel, André Luiz, Humberto de Campos e uma plêiade de Espíritos de escol lançaram-se a um trabalho de longo curso junto aos homens, de esclarecimentos e de fraternidade através do livro espírita.

XL

Em julho de 1944, a viúva de Humberto de Campos, D. Catarina Vergolino de Campos, ingressou em juízo com uma ação declatória contra a Federação Espírita Brasileira e o médium F. C. Xavier, visando a obter, por sentença judicial, a declaração de que a obra literária do Espírito Humberto de Campos era ou não brilhante escritor. O interesse era, no fundo, utilitarista, tendo em vista os direitos autorais.

A decisão judicial foi justa, precisa, e estabeleceu uma diretriz segura para a questão da psicografia, declarando a autora carecedora da ação, com ganho de causa para a Federação e o médium.

XLI

Autores espirituais como Emmanuel e André Luiz têm importância muito grande no desdobramento da Codificação Espírita, pelo fato de suas obras esclarecerem e complementarem as obras básicas da Doutrina Espírita, sem prejuízo ou contraposição dos princípios fundamentais da Terceira Revelação.

Sínteses históricas da Terra e do Brasil, ensaios sociológicos, romances históricos, comentários evangélicos à luz do Espiritismo e, a partir de 1943, toda a série de André Luiz, iniciada com “Nosso Lar”, enriqueceram extraordinariamente a literatura espírita no Brasil, que se vai expandindo para além-fronteiras em inúmeras traduções para diversas línguas.

XLII

Fato que não poderíamos deixar de mencionar nesta pequena resenha é o da instalação, em 1948, do Departamento Editorial da FE$B.

Já que a Espiritualidade realizava sua parte, fazendo chegar aos homens as lições mais belas, claras e úteis através de livros de grande importância para o esclarecimento e edificação da Humanidade, era necessário que alguém cuidasse da parte que competia aos encarnados.

O Presidente Wantuil de Freitas cuidou de dotar a FEB de uma editora à altura das necessidades.

Posteriormente, outras editoras seguiram o exemplo, ampliando-se enormemente a capacidade de editoração de livros, revistas e jornais no Movimento Espírita nacional.

XLIII

Não obstante o lado positivo do Movimento em constante expansão, o divisionismo no seu seio continuava, alimentado pelo personalismo, pelas vaidades e pelas interpretações infelizes da Doutrina.

Mas muitos espíritas estavam atentos à necessidade da união fraterna e da unificação do Movimento.

Surge então a oportunidade do entendimento entre correntes diversas, representadas por espíritas conscientes de seus deveres perante a Doutrina.

A ocasião para esse entendimento ocorreu no mês de outubro de 1949, por ocasião da realização de um Congresso da Confederação Espírita Pan-Americana.

Após tentativas de aproximação dos responsáveis por diversos segmentos do Movimento Espírita de diversos Estados brasileiros, encontram-se todos na sede da Federação Espírita Brasileira no Rio de Janeiro, no dia 5 de outubro de 1949.

Esse encontro, que ficou que ficou conhecido como a Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, posteriormente denominado “Pacto Áureo”, pelos seus resultados e importância, é um marco decisivo na história do Espiritismo no Brasil, pelas suas conseqüências, pelas suas disposições e sobretudo pelo induzimento à concórdia, à fraternidade, ao trabalho útil, à tolerância, à solidariedade entre os cultores de uma Doutrina Superior, que precisa ser entendida em sua verdadeira índole e finalidade e que induz os homens aos sentimentos do Amor e da Justiça.

XLIV

Entendemos que os primórdios do Movimento Espírita no Brasil poderiam ser situados nos primeiros anos do Espiritismo em nossa Pátria, nos meados do século XIX.

Mas poderiam ser entendidos também em face de determinados acontecimentos marcantes.

Preferimos esta última hipótese, escolhendo o “Pacto Áureo” como o fato inconfundível que divide duas fases do Movimento.



Revista Reformador - Nº 2053 - Abril de 2000

Nenhum comentário: