sábado, 7 de fevereiro de 2009

Ética , Estética e Comportamento : Uma contribuição para a Construção do Pensamento e da Ação no interior do Movimento Espírita .

Atitude Doutrinária, Hierarquia (In)Formal e Postura (Des)Comprometida




É muito comum de se observar narrativas efetuadas no interior dos grupos espíritas que ainda evidenciam um forte componente hierárquico no discurso de alguns de seus membros, sutilmente fundado na implícita supremacia que, no entendimento destes, o Espiritismo exerce sobre as demais Religiões e, por conseqüência, dos espíritas sobre as demais pessoas. Isso sempre é um tema polêmico nos grupos. No entanto, alguns sustentam que a simples autodenominação de uma condição espírita ou o conhecimento de todos os preceitos evangélicos, se estes não forem aplicados diariamente de nada adianta . Assim, a superioridade dada pelo suposto esclarecimento doutrinário, de nada vale, na visão de alguns membros, se não estiver associada a uma responsabilização moral maior, como a exigência de um programa de reforma íntima.
Ainda que a referência central da nossa exposição seja a Doutrina Espírita e os seus adeptos e os argumentos invocados devam gravitar à volta desse referencial, os enunciados e as argumentações colocados aqui como válidos oferecem simplesmente um ponto de vista pessoal à discussão. Nesse caso, pensamos e trazemos a nossa contribuição, que está construída e carregada da nossa vivencia e de alguma experiência frente às questões que se apresentam ao nosso olhar. Em outras palavras, não temos nenhuma pretensão ou autoridade de apresentar ou esgotar assunto de tamanha relevância no interior do nosso Movimento. Acreditamos meramente que podemos contribuir com essa reflexão com alguns argumentos que estão fundados na nossa prática como médium e trabalhador no Movimento Espírita.
Primeiramente, acreditamos que na Prática Espírita, as relações estão fortemente sustentadas por um sistema de organização formal aparentemente igualitário, onde a sua estruturação hierárquica é implícita. No meu modo de ver, isso quer dizer que o uso e o modo de expressão verbal – a fala e a palavra, por exemplo, são frutos de uma cooptação individual praticada no interior dos pequenos grupos. É interessante perceber que essa ação, na maior parte das vezes privilegia aspectos pouco claros de ponderação, ficando simplesmente entre a simpatia ou o favorecimento pessoal cabendo aos outros participantes ter o entendimento do seu lugar nos grupos de que participam. Nestas oportunidades, pouco conta a trajetória no Espiritismo, as referências morais de cada um, e em muitos casos valem mais alguns interesses particulares em detrimento de eventuais avanços coletivos, que em algumas oportunidades deixam de ser alcançados muito em nome de uma disfarçada disciplina que acaba por controlar moralmente (?) os eventuais destaques não-autorizados dentro do grupo.
São posturas que acabam por desconsiderar em muitas ocasiões a fala e a ação de muitos companheiros que não receberam o aval e o consentimento para se expressarem em nome do grupo. Para reforçar essas atitudes, também é muito comum encontrarmos no meio um argumento bastante forte no que diz respeito à conduta, a postura e a atitude que não podem ser questionadas. É o que chamamos tempo de serviço ou de freqüência, geralmente ininterruptos . Freqüentemente, os irmãos que se utilizam desta postura colocam-se como detentores de uma grande vivencia – e em algumas vezes o são, conhecedores de toda a Doutrina e na maior parte das vezes não se sentem mais estimulados a troca, a crítica e ao estudo tão necessários a transformação de sua conduta diária, por se acharem acima da discussão e da reflexão necessárias ao dia-a-dia do Movimento. Essas são , sem dúvida , atitudes que reforçam o autoritarismo ao invés da autoridade e em muitas vezes enfraquecem a construção de um senso critico revelador com vistas ao favorecimento de atitudes verdadeiramente comprometidas com o Evangelho no seu aspecto mais renovador.
Longe de questionarmos simplesmente essas atitudes , pensamos que é de fundamental importância que reflitamos sobre elas em qualquer espaço de relação . Acreditamos mesmo , que antes de tudo estas posturas devam ser vistas com respeito e bom senso e sobretudo tratadas com ordem e tolerância. Confiamos que , mais ainda no Centro Espírita , devemos nos empenhar para compreender que todos os esforços devem ser colocados e toda contribuição neste sentido deva ser fortemente valorizada para o alcance de um natural estado de disciplina. Ainda mais porque cremos que a necessária disciplina no interior dos grupos espíritas é principalmente de ordem moral e espiritual, em todos os seus aspectos e da grande pureza de propósitos dos seus membros. Podemos então pensar nas nossas atitudes , refletindo sobre a natureza de cada uma delas , especialmente as que praticamos no interior dos espaços espíritas – sem perdermos de vista as relações do nosso dia-a-dia , já que estamos nos avaliando do ponto de vista do interior do Movimento .
Precisamos verificar se as nossas ações e atitudes estão verdadeiramente voltadas para o serviço e a oração . Apesar de não precisar de maiores esclarecimentos, é importante demarcar que não estamos fazendo nenhuma apologia à contemplação desmedida , mesmo porque não acreditamos nesta postura para o espírita comprometido . Estamos falando do compromisso com a Causa e com a Casa que abraçamos e trazemos a alegoria da oração como sinal de comunhão que defendemos entre iguais com o Divino. Sem dúvida, devemos aprofundar verdadeiramente as nossas atitudes nesta direção e para tal, precisamos nos valer dos exemplos e dos ensinamentos dos que nos antecederam na gênese e na constituição da nossa Doutrina e principalmente no reconhecimento do esforço desprendido pelos fundadores da nossa história e da nossa origem . Esta valorização é , sem dúvida de importância vital para o nosso fortalecimento pessoal e coletivo e nos levará naturalmente a um aprofundamento do entendimento da nossa real condição no grupo que pertencemos . Assim , reconheceremos de fato a nossa identidade e falaremos sobre uma realidade que nos pertence e nos liga verdadeiramente a um ideal comum . Ao agirmos assim, deixaremos de lado a postura acomodada e pouco crítica, porque a nossa expressão estará carregada do nosso compromisso.Ao optarmos por esse caminho, precisaremos estar prontamente alimentados pelo estudo e pelo discernimento que as nossas atitudes com o esclarecimento preciso puder nos oferecer. Acreditamos que só desta forma a nossa postura e o nosso compromisso estarão verdadeiramente a serviço do trabalho que nos aguarda.
Em outras palavras, só a confiança verdadeira nos princípios que sustentam a nossa Doutrina é que nos trará o entusiasmo necessário para o trabalho com equilíbrio . É assim que deixaremos de lado e até abandonaremos as “misturas”, os conceitos “místicos” e “estranhos” que estão levando o Espiritismo a se distanciar casa vez mais de sua essência. É com esse foco que deveremos sustentar o trabalho a ser encarado. Nesta oportunidade, deveremos analisar com muito respeito e consideração todas essas idéias novas, separando o que pode ser verdadeiramente considerado para a Doutrina Espírita. Longe de nos mantermos afastados do progresso e do avanço da Ciência, devemos ter muita deferência com o esforço empreendido por Kardec e pelos Espíritos da Codificação, lembrando do grande trabalho executado na construção de toda a base espírita. Lembremos que o próprio Kardec, orientado pelos Espíritos Superiores, colocou-nos que a Doutrina ainda não estava fechada e pronta, que nós poderíamos aceitar novas contribuições, principalmente as que fossem trazidas pela Ciência e pela própria Espiritualidade, desde que utilizássemos o mesmo tratamento e o mesmo rigor empregado na época da Codificação. Então, só precisamos analisar todas as contribuições que nos chegam à luz das bases da Doutrina - essa é a chave, para verificarmos a sua utilidade e inclusão nas bases da Codificação. Mas é preciso muito cuidado, rigor e seriedade nessa empreitada. É necessário extrema compreensão, esclarecimento e, sobretudo muito coragem, já que em todas as ocasiões , para garantir a seriedade e o discernimento do nosso trabalho e conseqüentemente da Doutrina , precisaremos seguir rigorosamente as orientações dos Espíritos Codificadores que nos alertam que é melhor rejeitarmos dez verdades que assumirmos uma mentira .
Uma outra questão que também precisa ser considerada por nós diz respeito a grande importância que ainda continua sendo dada ao fenômeno espírita no interior do Movimento. Devemos nos lembrar que a Doutrina está alicerçada no tripé Filosofia-Ciência-Religião e que a Mediunidade é instrumento e oportunidade para resgate e superação de provas . Sabemos também que a intercomunicação entre espíritos de diferentes planos e elevações é fato já há bastante tempo naturalmente comprovado e muito mais comum do que a nossa condição pode perceber e alcançar . Mais ainda , já deveríamos estar compreendendo e aceitando mais serenamente esses episódios que são em essência , exemplos da grande misericórdia do Alto . Precisamos efetivamente avançar da condição do encantamento que o fenômeno pode nos trazer para passarmos a experimentar as conseqüências efetivas destes no nosso processo de renovação espiritual . É o próprio Evangelho que nos alerta para a nossa condição espírita , fazendo alusão com a parábola do semeador que nos mostra as diferentes maneiras de nos valermos dos ensinamentos trazidos pelo Mestre Jesus para a nossa vida. Sem dúvida , devemos empreender em nós todo esforço para nos colocarmos fora do grupo dos que , como a semente que caiu sobre os pedregulhos e não germinou , escutam , mas ainda consideram a palavra do Cristo , letra morta. O nosso empenho deve ser então o de , longe de desqualificar os fenômenos e as comunicações , tirar deles a condição de fato curioso , de episódio brilhante e espetacular , para colocá-los como verdadeiras oportunidades de renovação da fé e do verdadeiro trabalho de união que pode resultar de um esforço compartilhado por muitos.
Por último , mas sem a ambição de esgotar essas reflexões, devemos alimentar em nós uma postura de paz. A partir de sempre e em todas as oportunidades - e a Casa Espírita é mais uma dessas oportunidades , precisamos criar , manter e sustentar em torno de nós um permanente estado de bem-estar . É nosso compromisso desenvolvermos em nós e compartilharmos com todos que se aproximam de nós as nossas melhores virtudes . Nesta linha de raciocínio , podemos citar Leonardo Boff em uma de suas proposições , quando nos aponta os caminhos que podem nos levar ao desenvolvimento de uma atitude e de um comportamento baseado na hospitalidade para com todos com os quais cruzarmos e não apenas com os que nos cercam. Precisamos demonstrar uma boa vontade incondicional com todos e com tudo . Devemos afastar a malicia e a suspeita e trabalhar com boa vontade para assim , colaborarmos na construção de algo bom para todos. É a boa vontade que nos levará a cooperação e nos colocará na condição de iguais. Neste caminho , aprenderemos a acolher generosamente , sem preconceitos , deixando de lado eventuais diferenças que possam nos afastar .Assim,naturalmente veremos no outro , um companheiro, um irmão ,uma irmã ,componentes da mesma família – a nossa grande e verdadeira família e reunidos na mesma Casa - o nosso Planeta Terra. Como conseqüência , (re) aprenderemos a ver e escutar mais atentamente , porque o faremos mais com o coração e com o sentimento e em muitas vezes o outro não precisará usar palavra alguma , porque se expressará também com o coração .E é dessa forma de escutar que poderemos apreender, incorporar, completar e enriquecer mais naturalmente em nossa identidade a renovação e o crescimento tão necessário em nós .Somente a partir desse diálogo, abriremos os caminhos para a construção de novas experiências baseadas na vivencia de todos nós. E dessas novas experiências poderão surgir novas maneiras de fazer e aparecer , de reconstruir e trocar novos valores que estarão sustentando em nós a passagem para o Divino e o Sagrado.
Para tal,no nosso dia-a-dia , precisamos resgatar naturalmente a dignidade , o respeito, a solidariedade , o cuidado , a participação, a transparência e a não-violência nas nossas relações cotidianas , deixando de lado os nossos interesses particulares e priorizando o que for importante para todos .Dessa maneira , compreenderemos que essas nossas atitudes não nos trarão perdas , mas sim uma responsabilidade consciente , fruto de uma nova relação e de um projeto coletivo de vida. Esse é sem dúvida o grande salto que precisamos dar para incorporar verdadeiramente a nossa condição espírita cristã ao nosso projeto coletivo de vida . Lembremo-nos que a nossa evolução enquanto indivíduos está diretamente ligada a nossa evolução espiritual e essa à evolução planetária . E é só assim que estaremos efetivamente , pela nossa condição e responsabilidade , dando a nossa parcela de esforço para a evolução planetária . Afinal , como nos ensinam os nossos Amigos Superiores , precisamos verdadeiramente agir como espíritos imortais , mas precisamos sobretudo transformar essa convicção em ação , coerência e propósito.

Marco Aurélio Faria Rezende/mafr...

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